domingo, 19 de março de 2006

Maquiavel

Da crueldade e da piedade - se é melhor ser amado ou ser temido

Continuando na exposição das qualidades acima referidas, tenho a dizer que cada príncipe deve desejar ser tido como piedoso e não como cruel: apesar disso, deve cuidar de empregar convenientemente essa piedade. César Bórgia era considerado cruel, e, contudo, sua crueldade havia reerguido a Romanha e conseguido uni-la e conduzi-la à paz e à fé. O que, bem considerado, mostrará que ele foi muito mais piedoso do que o povo florentino, o qual, para evitar a pecha de cruel, deixou que Pistóia fosse destruída. Não deve, portanto, importar ao príncipe a qualificação de cruel para manter os seus súditos unidos e com fé, porque, com raras exceções, é ele mais piedoso do que aqueles que por muita clemência deixam acontecer desordens, das quais podem nascer assassínios ou rapinagem. É que estas conseqüências prejudicam todo um povo, e as execuções que provêm do príncipe ofendem apenas um indivíduo (...)

Não deve ser, portanto, crédulo o príncipe, nem precipitado, e não deve amedrontar-se a si próprio, e proceder equilibradamente, com prudência e humanidade, de modo que a confiança demasiada não o torne incauto e a desconfiança excessiva não o faça intolerável.

Nasce daí esta questão debatida: se será melhor ser amado que temido ou vice-versa. Responder-se-á que se desejaria ser uma e outra coisa; mas como é difícil reunir ao mesmo tempo as qualidades que dão aqueles resultados, é muito mais seguro ser temido que amado, quando se tenha que falhar numa das duas. É que os homens geralmente são ingratos, volúveis, simuladores, covardes e ambiciosos de dinheiro, e, enquanto lhes fizeres bem, todos estão contigo, oferecem-te sangue, bens, vida, filhos, como disse acima, desde que a necessidade esteja longe de ti. Mas, quando ela se avizinha, voltam-se para outra parte. E o príncipe, se confiou plenamente em palavras e não tomou outras precauções, está arruinado. Pois as amizades conquistadas por interesse, e não por grandeza e nobreza de caráter, são compradas, mas não se pode contar com elas no momento necessário. E os homens hesitam menos em ofender aos que se fazem amar do que aos que se fazem temer, porque o amor é mantido por um vínculo de obrigação, o qual, devido a serem os homens pérfidos, é rompido sempre que lhes aprouver, ao passo que o temor que se infunde é alimentado pelo receio de castigo, que é um sentimento que não se abandona nunca. Deve, portanto, o príncipe fazer-se temer de maneira que, se não se fizer amado, pelo menos evite o ódio, pois é fácil ser ao mesmo tempo temido e não odiado, o que sucederá uma vez que se abstenha de se apoderar dos bens e das mulheres dos seus cidadãos e dos seus súditos, e, mesmo sendo obrigado a derramar o sangue de alguém, poderá fazê-lo quando houver justificativa conveniente e causa manifesta. Deve, sobretudo, abster-se de se aproveitar dos bens dos outros, porque os homens esquecem mais depressa a morte do pai do que a perda de seu patrimônio. Além disso, não faltam nunca ocasiões para pilhar o que é dos outros, e aquele que começa a viver de rapinagem sempre as encontra, o que já não sucede quanto às ocasiões de derramar sangue (...)

Concluo, pois (voltando ao assunto sobre se é melhor ser temido ou amado), que um príncipe sábio, amando os homens como eles querem e sendo por eles temido como ele quer, deve basear-se sobre o que é seu e não sobre o que é dos outros. Enfim, deve somente procurar evitar ser odiado, como foi dito. (Maquiavel – O Príncipe)

Um comentário:

Anônimo disse...
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